sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Sr Edivaldo

Senhor Edivaldo era de poucas palavras, poucos atos, pouco tudo 
Me lembro dele pelos cantos 
Balançando em sua rede na laje da casa onde morava 
Ou então numa briga devido a um jogo de cartas 
Ou cuidando de seus passarinhos, galinhas, patos 
Ou assistindo o jogo do Vasco na sua televisãozinha  
Mas nunca me deveu sua companhia 

Passávamos as tardes ouvindo o canto dos passarinhos que tanto amava 
E conversando sobre a vida ou  sobre o que faltava para ela ser 
Há quem diga que só doutor sabe aconselhar 
Pois eu digo que um jardineiro me ensinou tudo  

Meu aniversário sempre foi sua alegria 
Para a neta, tudo o que ela nem merecia 
A mesa da cozinha estava sempre repleta de biscoitos 
Sempre me abraçava firme e orgulhoso 
E dizia: Parabéns!  
Eu disse que era de poucas palavras, poucos atos, pouco tudo 
Mas cada um sabe, quando há bem querer, o que a boca não fala, o que olhar não pode ver, o que o ouvido espera ouvir 

Senhor Edivaldo se foi 
E foi-se a primavera, outono, inverno e verão  
Foi-se muitos dos meus dias 
Como outro aniversário  
Em que não pude decifrar o que seu parabéns queria dizer 

Seu Edivaldo nasceu dia quatro de Abril  
Seu Edivaldo faleceu dia quatro de Abril 
E me pergunto se foi por infarto  
Ou porque quis 
Ele era de poucas palavras, poucos atos, pouco tudo 
Mas era um pouco muito certeiro 


Saudades...

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Fragmentos infantis

Ganhei uma cadeirinha de madeira do dono de uma loja de imóveis de Vila Isabel. Ele gostava muito de mim, enrolava seu dedo em meus cachos, como a maioria naquele tempo.
Fechava um olho e tentava manter o outro aberto, na expectativa de surpreender meus brinquedos, quando eles tomassem coragem de conversar e andar pelo quarto.
Meu pai sentou na minha cadeirinha de madeira em meio a cozinha. A cadeirinha que ganhei do tio da loja. E cadeirinha porque ela era bem pequena mesmo. Ele estava chorando e minha mãe falava muito do que não entendia. Ele havia perdido o emprego e era pai aos 28 anos de uma filha com cinco. Pertubador até para mim que não entendia disso ainda, mas que nunca tinha visto o pai chorar daquela maneira.
Sempre por perto de toda conversa adulta. Meu pai gostava, nunca me escondeu, nem amenizou.
Fui em um lugar cheio de gente vestindo branco e um deles jogou ervas em mim uma vez, minha avó disse que fazia bem e devia fazer mesmo porque era cheiroso. Nunca mais saí de lá.
Paramos em um estacionamento, minha mãe saiu do carro e meu pai ficou comigo, no outro dia me contaram que meu avô era uma estrelinha. E até hoje converso com ele depois de escolher a estrela mais linda.
Me emocionei em um Natal em que havia pedido uma moto. Ganhei a moto e uma boneca que se mexia e chorava. Eu disse ao meu pai que o olho dela estava escorregando.
Meu primo mais novo enfiava a unha no meu rosto todo domingo, que era quando a gente se encontrava, e eu chorava muito até o dia que minha avó disse para machucar ele também. Até hoje não consigo.
Em um aniversário com a família reunida, dediquei o primeiro pedaço de bolo ao meu irmão, que nunca conviveu comigo e fez muita falta. Tempos depois ele me disse que ele não era quem eu pensava. Outros tempos depois descobri que não era mesmo. Nem se ele se esforçasse muito conseguiria ser um herói.
Minha mãe sentiu vergonha de mim quando ela e meu pai foram me buscar na minha avó paterna e de tão feliz de vê-los, saí na rua descalça, com o cabelo pro alto e o pente preso.
Eu gostava de bolinha de gude, pipa, correr descalça pela rua. Vestia bermudas enormes, bonés para trás para andar de skate. Mas todo aniversário me davam Barbies. E pior, roupas.
Meu pai adorava me levar na pracinha do Alto da Boa Vista para andar de moto, até antes de ganhar a minha. Só ganhei a minha porque disse que minhas amigas não podiam andar comigo porque seus pais diziam que era muito caro e se eu tivesse, emprestava.
Era a preferida do meu avô paterno, que todo domingo deixava biscoitos na mesa da cozinha para mim. Ele escolhia a dedo cada um. Pena que quando ele não pôde mais estar aqui, já era tarde demais para conversar com estrelas.
Andava de mãos dadas pela creche com os meninos. A gente dizia que namorava e que íamos nos casar, mas não sabíamos que existia tanta papelada para se certificar de que há amor.
Passava férias na minha avó e voltava para casa cheia de bichinhos numa caixa de fósforo, que escondia no armário com medo da minha mãe ver.
Fazia trabalhos para as bonecas e os corrigia.
Meu pai viajou para Vitória e fiquei doente. Minha mãe me levou no médico e disseram que era saudade.
Meu pai viajava e eu deixava uma foto dele embaixo do travesseiro. Quando ele voltava, dormia embaixo da cama dos meus pais, do lado dele, no chão.
Briguei com minha mãe e a perguntei ironicamente se aquilo era ser mãe. O choro dela doía os meus ouvidos e me arrependi de tanta dor no peito que senti. Foi a única vez que meu pai me bateu e foi quando descobri que minha mãe estava a sete anos sem trabalhar para cuidar de mim.
Não me recordo de nada. Certamente, ainda não existia. Tudo que aqui escrevo me foi contado.
Tudo era do mesmo tamanho e, mesmo que não lembre, parecia ser melhor.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

O que fizeram de você, Fabi? O que você fez?

De novo me arrisco, arisco, nesse conto de anos atrás
Por onde você andou, menino, que ao te ver na minha frente, já não te encontro mais?
O que fizeram de você, Fabi
O que você fez?

É triste contar essa história mais uma vez...

De que me adiantaram tantos cafés da manhã
Se na manhã seguinte eu nem sabia se você estaria mais aqui
Seus olhos, baixos, me contaram o que você fez essa noite, Fabi

Mas, não importa.
Entre, feche a porta da cachanga, deita e dorme
Que zelo seu sono...


Fabi só era Fabi com uma bola nas mãos
Como todo menino, sonhava em ser profissional
Mas, profissão Fabi não tinha ainda não
Nem canudo, nem estima
A sorte ficou pro irmão


Hoje ele chora porque teve de criar a vida
Porque não chega o que procura
Porque sobreviveu na sua maldita 

Porque sobrou do que não tinha

O mal de Fabi é não saber sonhar direito
Acostumado com o sonho, dorme demais
Fabi pensa que malandragem é saber muito da vida
Quando, na verdade, a vida sabe o que faz


Fabi tem endereço, tem idade, tem passagem
E vive nos cantos desse país
Mas, esse Fabi é mais um porque quer
Porque quando lhe estenderam a mão
O orgulho não o deixou reagir


Fabi diz que nasceu e vai morrer sozinho
Eu não assisti nenhum dos dois
Rezo para que o destino não seja penoso
Mas, não mais todos os dias
Porque Fabi me virou as costas feito bruto
Não disse adeus
Como rezar por alguém que se vai e vive logo ali?


Fabi diz que igual Fabi só existe um
Deixa de ser tolo, Fabi
Existem de você por todos os cantos desse país
O primeiro presente de todo menino, 

depois de uma vestimenta azul, é sempre uma bola
E correr, é só ter perna, que se pode fazer.

Ai Fabi, a quem estou enganando?
Fabi tem é medo de tentar e fracassar.
Mas, só chega perto quem tentou.
Fabi está longe...
Fabi não é daqui...

Fabi tem medo de se entregar... Em tudo, em vão.





Pausa para o café:




Pois bem, esse Fabi realmente existiu em minha vida e merece esse lugar ao sol, nem que seja aqui nesse blog, com as minhas palavras. Hoje já não sei de Fabi. Não sei se acordou, se conseguiu dormir. Fabi era acima de tudo inconsequente, ilimitado, distraído, puro acaso. Me mostrou que não basta dizer que é simples, é preciso provar que se é e simplicidade, em nada, está relacionada ao dinheiro. Fabi não é único. Pode ser que tenha nascido realmente sozinho, mas vai morrer assim por opção. Ele realmente me virou as costas, digo isso no ato. Ele é assim, irreverente, inusitado. Sei que ao virar, pensou três vezes em quem deixava para trás, mas fez mesmo assim porque dessa forma, ele se sente melhor. Fabi escolhe a solidão porque de ruim basta ele. Palavras dele... 

Obrigada por virar as costas. 
Dedico esse texto com todo sentimento que tive, livre de rancor.



Me colocaram nesse mundo
Sem me passar as instruções
Se viro à direita, é por pura intuição.


Nada disso faz sentido.
Nada disso faz sentido, repito.

A tela da minha vida é preto e branco
Cheia de barros e histórias de antes de nascer
Ninguém me contou,
Ninguém quis saber.
O vale a pena ver de novo
Só faz sucesso na tv.

Nada disso fez sentido.

Uma falta não sei de que
Procurando por um não faz mal
A gente vive de aperto no peito
E acha normal
Se é o natural do homem
Que merda é viver!

Nada foi feito para fazer sentido.
Nada foi feito para fazer sentido, repito.

Paro o tempo, deitada nessa cama
Meu quarto é todo rosa, tipo menininha do gueto
A história se repete
Um dois três
Cinco dez vinte

Nada vai fazer sentido
Porque nunca fez.

Sentei no banco do ônibus
Estava escrito: Volte outra vez

Deus esqueceu o sentido
Vai ter que criar outro dia
Ou trabalhar no domingo