domingo, 23 de outubro de 2016

Só sabe de fim quem sobrevive

Quem faz minha vida sou eu, disse bem cedo
Eram dezesseis ou pouco mais - ou menos - que isso
Minha mãe, seduzida pelos búzios, me dizia do futuro
E cá estou desafiando o destino pelo qual nasci

Acordo quando quero e me deito da mesma forma
Às vezes dias no tempo, outras vezes dias sem ele
Tempo, tempo, tempo, tempo
Cadê o meu pedido?

Danem-se os espelhos, os atropelos, as curvas, encruzilhadas, trilhas e conselhos
Na beira do mar, Ogum soprou: Cresce e aparece.
Soprou um grito bem tiro, certeiro
Ginguei de um lado para o outro, ninguém para segurar

Caí e levantei. Arrebitei o nariz e cresci de vez.

Só sabe de fim quem sobrevive


quarta-feira, 5 de outubro de 2016

não sei;

não sei; estávamos deitadas e, de repente, ela se vira na minha direção. É difícil. o cabelo longo, meio-liso-meio-nada se enrolava encaracolando lentamente ao meu. havia um silêncio e múltiplos e seguidos olhares. às vezes, encarava os olhos e, ai(!), que agonia. era a primeira vez que encarava e não devorava alguém. acariciava o rosto, da orelha ao queixo, leve, e pensei há quanto tempo não sabia... me entretive, não lembro dos seus olhos em mim. E detalhes importam.

Em silêncio era sua e, quando havia barulho, já não havia ninguém. Só medo.
não sei; sei lá.

O poeta nem sempre finge - não é tanto.

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Havia em sua prateleira livros de todos os tipos
Era um homem de múltiplos interesses
Deixei de apenas desejá-los e levantei da cama
Me apeguei a um
E fiquei por detrás da mesa, que ficava de frente para ele

Ele dormia
aparentemente vinte e sete anos de cansaço
Às vezes me procurava com suas mãos esparramadas pela cama
e logo, desistia
e sequer abria os olhos para tentar

Minha leitura foi aos poucos, pois
havia uma divisão de interesses:
Estava entre o livro e ele

Consciente, ele me driblava
e, cá entre nós, são poucos os capazes
Mas, inconsciente, mal sabe ele que me tinha
Do duelo de inquietações, sobravam apenas os cacos
Já eu,  (in)consciente, o adorava

Era bonito ver aquele homem ali
e quem o vê fora da cama, não imagina o quanto
Os óculos estavam em qualquer lugar, não procurei
Enquanto dormia, segurava sua força que não descansava
Na cama, até sozinho, a gente se entendia bem

Cansei de ler Freire e pus o livro no seu lugar
Não que estivesse com medo de tocar no que não é meu
Pois, havia feito isso a noite toda - e ainda bem
Coloquei em seu lugar porque tudo tem um lugar.
Menos eu

Deitei ao seu lado e, devagar, beijei seu rosto
De nada adiantou ser devagar
Me deu uns beijos
E me puxou para cima e

tudo de novo.

Enquanto a água corria pelo corpo,
depois de me desapropriar da preguiça de ter que ir
Me perguntei, seriamente, o porquê de estar ali
Estava totalmente desterritorializada
Nada podia, nada era meu
Até pelo banho tive que pedir
e não sou de pedir - e nem de tomar

Sei que costumo ignorar, mas nada é linear
Somos feitos de às vezes, talvez, de vez em quando
Piso em ovos, mas sigo pisando
Os olhos de ambos não se abrem - nem na cama, nem fora dela.

E por quê?

Difícil, mas não sei olhá-lo
O admiro tanto... Que é difícil

Nosso sexo é feito um abraço
É a comunhão pós meia noite às oito da manhã
Nos sobra pouco do dia e, portanto, poucos abraços
mas
toda vez que o percebo falando
é o aconchego que ando precisando

Não quero que pareça que o amo
porque não é verdade
mas, que gosto muito do que ficou

e que me perdoe pelos danos
mas, alguém já me tinha causado do mesmo
a ponto de não querer e não poder
e, como sabe, não sou de pedir nem de tomar
nem de conceder

segunda-feira, 21 de março de 2016

ele gozava como quem sofre
segurava seu pau e gemia
eu sentia um prazer em vê-lo sofrendo
aquele sofrer, em especial

mas, os outros, também